09/11/2021 às 21h04min - Atualizada em 09/11/2021 às 21h04min

Terçado ou caneta: Fui plantador de juta em Óbidos | Portal Obidense

Um fato real e várias lições de vida contada pelo Jornalista Paulo Onofre

Por: Paulo Onofre

ÓBIDOS - Quando jovem, tinha por volta de (16) anos, morava em Belém. Decidi que não deveria estudar. Aí meu pai, sorriu e disse. Então, vou arrumar um trabalho pra você, me colocou no navio Lobo D'almada e me mandou passar um período com meu tio Mundinho em Óbidos.
 
Ao chegar em Óbidos, no dia seguinte meu tio me levou para a PORANGA, na Costa de baixo em Óbidos... chegamos no sítio final de tarde, dormi. Na manhã seguinte. Meu tio Mundinho, me entregou um terçado Collins 128, e disse, já que você não quer estudar, a partir de hoje, esta será a tua caneta.

 
Para iniciar a lição, apontou para o lado direito, está estrada está um murisal terrível, comece a limpa-la, pois, vamos precisar transitar por ela.
 
Por volta de (11) horas da manhã, minhas mãos estavam cheia de bolhas, quase não conseguia movimentar os dedos. Fui reclamar para meu tio, ele sorriu e disse, seus dias a partir de hoje serão assim, quem não quer estudar, vem plantar juta. Amanhã, vou te colocar em um outro trabalho, você vai para o jutal.
 
Como Juteiro, convivi, com pessoas trabalhadoras, todos tinham apelidos. Como GITO PESADELO, DONA BARUCA, DONA PREGO, PORCA VELHA, ANTONIO BAMBU, TOROZINHO, ZENHA, HELENA DO BAMBU, VELHA BORGES e outros.
 
Na convivência com eles, conheci o verdadeiro socialismo, que era dividir o pouco que tinha, para que não faltasse o necessário, para a sobrevivência dos membros da comunidade.
 
Conheci o sistema de trabalho chamado AJURI, onde se hoje você ia fazer a limpeza do terreno, um grupo de vizinhos e amigos, se juntavam, para te ajudar e você. Ao final, você ficava devendo um dia de trabalho para eles, para ser pago, quando este precisasse fazer um serviço.
 
Trabalhar como juteiro, foi uma grande experiência de vida. Este trabalho, era difícil. Você iniciava limpando o terreno, depois queimava as árvores secas, plantava a juta. A partir daí, a cada trinta dias, tinha que fazer a limpeza, nas leiras, que eram os corredores que ficava o espaço entre as plantas.
 
Depois de (6) meses, vinha o corte da juta, que seguia está sequência: cortava a juta, fazíamos os feches, depois carregávamos os feches de juta para o igarapé mais próximo. Colocávamos a juta submersa na água, dias depois, lavávamos a juta. Neste trabalho, passávamos um dia trabalhando dentro da água. Este, era o processo da retirada da fibra. Que inicialmente molhada a fibra era condicionada em uma canoa.


 
Depois, carregávamos as fibras para estender em um varal, para enxugar, dias depois, retirávamos a fibra do varal para ser enfardada. Outra trabalheira, as vezes adentrava pela noite.
 
Agora, tinha a parte boa, as festas na Vila Vieira, onde o meu saudoso amigo CAZUZA, comandava a comunidade. Eram festas bacanas, onde as famílias da costa de baixo se reuniam. Onde a época, arrumei algumas namoradas, me diverti muito com meus tios DIMAS e ITA. Que além de tios, se tornaram meus grandes parceiros nas festas.
O tempo bom, me bateu saudades, do bate papo a noite sentado debaixo da cuieira. Eu, tinha um amigo filho do seu Zeca Diniz, o Chaguinha e outros moleques meus contemporâneos Além de meu primo irmão Carlinho.
 
E depois, vinha a parte tão esperada, que era a venda da fibra da juta, para os empresários: Isaac Hamoy, Beliche e Chocron.... Os meeiros, que trabalhavam com meu tio comemoravam.
 
Com o dinheiro da produção da juta, alguns trabalhadores compravam roupas novas e o tão sonhado rádio de pilha, para escutar os noticiários, através a rádio educadora de Santarém, Rádio PRC5- RÁDIO CLUB DO PARÁ e a RADIO RIO MAR DE MANAUS.




 
Alguns, hão de me perguntar, o que é meeiro, eu explico: Meu tio, cedia aos trabalhadores uma área de terra, para eles plantarem juta. Neste período durante o plantio, os trabalhadores, eram seu patrão, meu tio por sua parte, fornecia aos trabalhadores, o básico para sua subsistência como: Café, Açúcar, Tabaco, Cachaça, terçado e outros gêneros alimentícios, que não fosse produzido no local.
 
Todas as compras eram anotadas na caderneta, para serem pagas, quando da venda da fibra de juta. Eu, ao final da safra, passei a ajudar meu tio a fazer a soma dos débitos das compras, feita pelos meeiros, estes por sua vez tinham seu caderno, onde anotavam suas compras.
 
Então, meus amigos, ao final deste período de trabalho como juteiro, ficou o aprendizado de vida. Ao final do ano, decidi que deveria voltar pra Belém e estudar. Por uma questão de justiça e gratidão, devo mencionar o apoio e a orientação que recebi neste período de minha Tia-Mae, Yolanda Canto Lopes. Minha tia, gratidão eterna. Lembrei agora, de fatos curiosos no quintal da casa de minha tia, tinha um grande tanque de alvenaria. E os nossos bate papos, sempre era em pé em torno do tanque.

Ali, em pé escutava conselhos, que me orientaram e me orientam em minha vida, e que passei e passo para meus filhos. Mas, levo comigo até hoje, este aprendizado de vida. Graças ao meu tio Mundinho, decidi me dedicar ao estudo. Pois, sempre vinha em minha mente a frase, "olha menino, quem não quer estudar, vem ser plantador de juta".


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