28/12/2023 às 15h41min - Atualizada em 28/12/2023 às 15h41min

Arroz e feijão fecham 2023 mais caros e devem disparar ainda mais em 2024

O cenário brasileiro segue a tendência mundial: o cereal alcançou, em agosto, o maior patamar em 15 anos.

Da Redação
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Foto: Reprodução

BRASIL - Um dos alimentos básicos na dieta brasileira, o preço do arroz registrou um aumento de 16% em 2023, de acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

O cenário no Brasil segue uma tendência global: o preço do produto atingiu o maior nível em 15 anos no último mês de agosto, com um aumento de 9,8% em apenas um mês, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). 

A Índia, que é responsável por 40% da produção mundial de arroz, é apontada como a principal causa desse cenário, após ter implementado restrições às exportações em julho.

Enquanto isso, no Brasil, as chuvas e ciclones que afetaram o Rio Grande do Sul nos últimos meses, a maior região produtora de arroz do país, prejudicaram a colheita e atrasaram o plantio da próxima safra.

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Aumento de preços em 2024

A combinação clássica de feijão e arroz deverá enfrentar desafios de aumento de preços em 2024, após temporadas de cultivo complicadas – algumas vezes devido a chuvas excessivas, outras devido a longos períodos de seca nas principais áreas produtoras do país – e também devido ao aumento das cotações internacionais.

A pressão de alta nos preços colocará à prova a promessa do presidente Lula de intervir no mercado, quando necessário, para estabelecer reservas reguladoras e controlar os preços dos alimentos – uma estratégia que até agora não obteve sucesso.

Em outubro de 2022, Lula afirmou: “A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) desempenhou um papel crucial durante meu governo, pois através dela mantínhamos um estoque regulador. Quando os preços do feijão estavam subindo demais, colocávamos o produto no mercado para reduzir os custos. Vamos continuar fazendo isso.”

No entanto, o feijão preto recentemente atingiu preços recordes, chegando a cerca de R$ 400 por saca para o produto de alta qualidade importado da Argentina. Para o feijão nacional, de qualidade inferior devido ao excesso de umidade, o preço da saca ficou entre R$ 350 e R$ 370. No caso do arroz, as cotações internacionais atingiram os níveis mais elevados dos últimos 15 anos, fazendo com que o preço da saca se aproximasse de R$ 140 no Rio Grande do Sul, o maior produtor do país. No Mato Grosso, as cotações variam entre R$ 160 e R$ 170 por saca, um valor histórico, acima dos preços da soja.

Índia bloqueou exportações de arroz

“Nem no cenário mais otimista a gente iria imaginar que a Índia, maior exportador global de arroz, e a Tailândia, fossem ter problemas. A Índia proibiu as exportações, na tentativa de controle inflacionário. As cotações dispararam para os maiores níveis em 15 anos, em pleno ingresso da safra asiática, que deveria ser período de queda de preços”, observa Evandro Oliveira, consultor da agência Safras e Mercado.

“O varejo está fazendo malabarismo para não passar integralmente esse aumento de custo. Às vezes, o varejista prefere perder no arroz, e usar o produto como chamariz, para ganhar em outros itens. Quem mais sofre nessa situação são as indústrias, que estão com margens comprometidas e capacidade ociosa. Elas não conseguem repassar reajuste e também não conseguem recompor estoques”, aponta o analista.

Tanto o arroz quanto o feijão enfrentaram desafios este ano devido a condições climáticas extremas. No Paraná, o maior produtor de feijão do país, houve uma quebra de safra de 18% devido ao excesso de chuvas. Em Minas Gerais, outro importante polo produtor, a seca prolongada foi o problema.

No caso do arroz, o Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção nacional, enfrentou uma séria estiagem na região oeste do estado. Uruguaiana, o município de maior produção de arroz do país, sofreu com uma das piores secas em 40 anos. Além disso, no Paraguai, que abastece parte do mercado brasileiro, muitas plantações foram afetadas por enchentes.

Demanda aquecida em 2024

“Nossos estoques de arroz vão ficar baixos. Produzimos 10 milhões de toneladas, mas consumimos 11 milhões. Não vai sobrar muito arroz de passagem. Vamos entrar num ano que pode plantar um pouco mais, colher um pouco mais, mesmo assim não atenderá a demanda”, alerta Vlamir Brandalizze, consultor de commodities agrícolas.

“O preço do arroz vai seguir firme em 2024, com alívio apenas no momento da colheita, no final de fevereiro, em março e abril. Passado esse período, começa a subir a cotação. Pela primeira vez na história o arroz vale mais do que a soja”, observa o consultor.

A Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Fedearroz) avalia que os preços do arroz estão se recuperando devido à redução da área plantada, após vários anos de prejuízos para os produtores de arroz. Nos últimos 15 anos, o Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção de arroz no Brasil, viu sua área plantada diminuir de 1,2 milhão de hectares para 840 mil na última safra.

Devido aos custos crescentes, os produtores passaram a substituir o arroz por soja e pecuária. A exportação de arroz surgiu como uma alternativa para equilibrar os preços no mercado interno. No entanto, a restrição das exportações por parte dos grandes produtores asiáticos, como a Índia, que representava 40% das exportações globais, alterou o cenário atual.

Arroz mudou patamar de preço, em nível mundial

“O arroz tem um novo patamar em nível mundial, mas continua um produto acessível. Hoje o preço médio está entre R$ 5 e R$ 6, já considerando toda a alta deste ano. Até então ficava entre R$ 4 e R$ 5. Mesmo assim, dentro da cesta básica, não representa mais do que 5%”, avalia Alexandre Velho, presidente da Fedearroz.

Ele destaca que os valores atuais refletem um período de entressafra, com oferta limitada do produto. Com perspectivas mais favoráveis, no Rio Grande do Sul, espera-se um aumento de 7% na área plantada, totalizando 900 mil hectares, em comparação aos 840 mil hectares da última safra.

Tanto no caso do arroz quanto do feijão, há limitações para a atuação do governo. Não se trata de intervenção no mercado para formar estoques reguladores. “É o mercado se ajustando. Não está relacionado ao governo. O preço do arroz reflete o mercado internacional aqui dentro. No caso do feijão, os produtores foram desestimulados devido à falta de lucratividade em safras anteriores,” observa Brandalizze.

Alexandre Velho, da Fedearroz, enfatiza que as atuais cotações simplesmente tornam inviável qualquer compra pública como medida de regulação de estoques. “Não é possível, porque o preço mínimo estabelecido pelo governo para o arroz é de R$ 65, enquanto no mercado está o dobro disso. O governo não pode comprar e ninguém venderá por R$ 65, pois seria um prejuízo substancial. A compra pública está completamente descartada,” assegura.

Velho acredita que em cerca de 45 dias, quando começar a colheita da nova safra, haverá um ajuste nos preços, beneficiando os consumidores. No entanto, o patamar já não será o mesmo de anos anteriores devido à valorização do produto globalmente.

Apoio à produção, sem quebrar as regras do mercado

Nesse contexto, é possível que o presidente Lula opte por não seguir adiante com a promessa de intervir no mercado por meio de estoques reguladores ou restrições às exportações na tentativa de controlar os preços. Além de serem economicamente inviáveis, tais medidas tendem a gerar consequências prejudiciais a médio e longo prazo. Um exemplo emblemático disso são as políticas intervencionistas adotadas pela Argentina nos últimos anos, que resultaram em caos econômico.

“Essa lógica não funciona. A Argentina segurou a exportação de carne e quebrou os pecuaristas. Quando o governo pensa em suspender ou taxar a exportação, ele tira o ânimo do produtor e na safra seguinte vai faltar produto”, avalia Brandalizze. No entanto, isso não significa que o governo não possa desempenhar um papel construtivo.

“A lógica é deixar o mercado livre e criar mecanismos para o produtor conseguir avançar. Tem obstáculos aonde? Pega o pessoal do Rio Grande do Sul, por exemplo. Facilita a vida do produtor para fazer mais lagoa, para ter mais água represada quando chove e poder plantar mais. Assim dá para continuar atendendo a demanda interna e continuar exportando”, exemplifica o engenheiro agrônomo.

Outro exemplo é o setor da soja, no qual o Brasil é líder mundial. Brandalizze enfatiza que isso ocorre porque o governo não interfere nas operações desse mercado. Nos produtos alimentícios básicos, para garantir a disponibilidade de alimentos a preços acessíveis, é crucial permitir o livre fluxo do mercado.

“É preciso deixar também que o Brasil seja exportador. Sempre quando somos exportadores, o produto mais barato é daqui. O óleo de soja mais barato do mundo é o das gôndolas nos supermercados brasileiros. E o frango mais barato também é o nosso, porque temos a soja e o milho baratos para ração”, destaca Brandalizze.

Acordos comerciais podem ajudar a equilibrar preços

Para Oliveira, da Safras e Mercado, uma política mais eficiente seria a celebração de novos acordos comerciais. Ele menciona o exemplo do México, que poderia importar arroz brasileiro em troca da exportação de feijão para o Brasil.

“Formar estoques não faria muito sentido. O governo estaria comprando caro, não teria muita opção. Pode ser que cause algum recuo [no preço], mas se aumentar o dólar e começar a exportar, o preço já sobe de novo”, destaca.

Os indicadores apontam para um 2024 com margens mais satisfatórias para os produtores de arroz e feijão, o que inevitavelmente resultará em preços mais altos para os consumidores, embora em níveis razoáveis, conforme argumenta a Fedearroz.

Dadas as circunstâncias, é mais provável que o discurso intervencionista do governo Lula permaneça apenas na retórica, a menos que se trate de compras governamentais em apoio a movimentos sociais e pequenas cooperativas, ou concessão de prêmios para o escoamento da produção em regiões menos abastecidas.

O novo patamar de preços mundiais para esses produtos, ligeiramente mais elevado, não é prejudicial ao Brasil, na opinião de Alexandre Velho, da Fedearroz. Ele enfatiza a importância de se buscar um equilíbrio, incentivando a recuperação da área cultivada para garantir maior oferta e preços mais acessíveis, em vez de depender exclusivamente de arroz importado, que não possui a mesma qualidade e pode ser igual ou mais caro.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reafirma que, para o governo federal, a recomposição dos estoques públicos é estratégica, mas isso requer uma ampliação significativa da oferta de alimentos estratégicos. A Conab menciona que retomou a formação de estoques com a compra de 500 mil toneladas de milho em 2023, e que havia a intenção de recompor os estoques de arroz, mas isso dependerá do resultado da safra.

 


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