03/09/2023 às 13h39min - Atualizada em 03/09/2023 às 13h39min

O que é a 4ª revolução que pode transformar a produção de alimentos

Expectativa é de que aplicação da eletricidade no cultivo possa ajudar a combater a crise alimentar global, reduzindo as consequências ambientais da agricultura em grande escala

Da Redação
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Foto:Getty Images

INTERNACIONAL - Os cubos laranja translúcidos, balançando sob luzes intensas, parecem um doce. Algo como ursinhos de goma ou delícia turca (sobremesa típica da Turquia, feita de amido de milho e açúcar).

Se não fossem as folhas verdes em meio a eles, eu ficaria tentado a colocar uma na boca.

"Muitas vezes temos que lembrar aos visitantes de não comê-los", diz a técnica de pesquisa Maddalena Salvalaio.

Os cubos são feitos de hidrogel, um material com estrutura em rede que retém líquidos. É mais usado em dispositivos médicos e fraldas.

Mas aqui, no Laboratório de Morfogênese Vegetal do Imperial College de Londres, Salvalaio e o pesquisador Giovanni Sena estão utilizando o material para mudar o futuro da agricultura vertical.

O segredo desta nova abordagem são eletrodos posicionados nas laterais dos cubos.

O estudo faz parte de uma tendências que começou há duas décadas e que busca estimular a agricultura usando eletricidade em sementes, culturas e solos.

A questão tornou-se tão importante que instituições como a Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês) dos EUA destina milhões para estudar como o plasma frio pode ser usado na agricultura, na forma de raios que são emitidos em salas com temperaturas controladas.

A proliferação de novos projetos pareceria muito familiar aos praticantes de uma estranha obsessão do século 19: a eletrocultura, técnica na qual a eletricidade era aplicada às plantas para fazê-las produzir melhores flores, folhas e frutos, ou mesmo livrá-las de pragas – com resultados diversos.

A nova geração de pesquisadores evita a palavra "eletrocultura", preferindo termos como "agricultura inteligente" ou "quarta revolução agrícola".

No entanto, o mecanismo subjacente permanece o mesmo e os defensores estão unidos na convicção de que, depois de séculos sem resultados, a aplicação de eletricidade em plantas está finalmente pronta para dar frutos.

A esperança é que estes sistemas futuristas possam ser utilizados para combater a crise alimentar global, reduzindo as consequências ambientais da agricultura em grande escala.

Segundo uma estimativa de 2005, em nível global, os diversos componentes da agricultura podem contribuir com entre 10% e 12% das emissões de gases do efeito estufa por ano.

A produção de fertilizantes sintéticos criada pelo processo Haber-Bosch, que consome muita energia e revolucionou a agricultura no início do século 20, é responsável por centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano.

E a erosão do solo causada pelo uso não regulamentado da terra acrescenta ainda mais.

Por isso muitos pesquisadores da nova onda de agricultura elétrica acreditam que a técnica pode desempenhar um papel na melhoria da produção de alimentos.

Plasma frio

Para aumentar o rendimento, alguns cientistas recorrem a invenções inspiradas no "eletro-vegetômetro", criado por um físico francês na década de 1780.

Era uma espécie de para-raios que fornecia eletricidade atmosférica às plantações, e que muitas vezes tinha consequências indesejáveis.

Nos EUA, várias instituições tentam reviver a abordagem dos relâmpagos artificiais.

No entanto, quando séculos atrás os antigos eletrocultores tentaram pela primeira vez colher benefícios, seus resultados anedóticos duvidosos eram a única coisa apoiando a implementação do método. Eles tinham tanta probabilidade de prejudicar as plantas, quanto de animá-las.

Mas desde o século passado é possível aplicar esses raios com mais precisão.

E isso é feito através do plasma, matéria que na natureza é gerada por raios, e que é extremamente quente, geralmente vários milhões de graus, convertida numa espécie de gás ionizado. Novas tecnologias permitem que seja manuseado à temperatura ambiente.

Quando isso acontece, é conhecido como plasma frio. Seu uso é "uma área extremamente ativa [na agricultura] no momento", diz José López, professor da Universidade de Seton Hall e também diretor do programa de física de plasma da Fundação Nacional de Ciência dos EUA.

Junto a Alexander Volkov, bioquímico da Universidade Oakwood, no Alabama, estão entre aqueles que abraçaram a tendência crescente de aplicar plasma frio a sementes jovens de várias maneiras.

Em seus experimentos, Volkov observou aumentos de rendimento de 20% a 75%, dependendo da planta.

"Aumentamos a produção de repolho em 75%. Também ficou mais saboroso." O sabor, diz ele, era mais doce.

Esses cientistas não estão sozinhos.

Vários estudos relatam uma variedade de benefícios que o plasma traz às culturas, desde ajudar as plantas a crescerem mais rápido e se tornarem maiores, até resistir melhor às pragas.

"O plasma funciona despertando a semente, pelo que sabemos", explica López.

Quando as sementes germinam, é quando a nova planta fica mais vulnerável a uma ampla gama de "estresses" ambientais. Como consequência, ela se recusa a se abrir até que esteja "feliz" com seu entorno.

A aceleração deste processo tem sido uma prática padrão na agricultura há muito tempo, embora geralmente tenha sido conseguida através de meios químicos, como ácidos. O plasma parece fazer a mesma coisa, mas com muito mais eficácia.

"Ele perfura a parede da semente e, quando você planta essa semente, ela tem maior capacidade de absorver água e solo", diz López.

"Depois de tratá-las por apenas alguns segundos, a planta cresce mais rápido do que as sementes não tratadas."

O plasma parece até revigorar as plantas que já cresceram, diz Lopez, cujo próprio grupo na NSF utilizou uma ferramenta de precisão chamada caneta de plasma para tratar plantas de manjericão.

Elas cresceram mais robustas e saudáveis, e a massa e a altura da planta aumentaram 20%.

"Os resultados são notáveis", diz Lopez.

Embora os cientistas ainda não tenham a certeza de como funciona, especialmente no que diz respeito à interação entre a eletricidade e as plantas completas, há atualmente várias iniciativas financiadas pela NSF para investigar isso.

Dúvidas

Esta incerteza explica porque o uso da eletricidade na agricultura ainda gera ceticismo.

Os céticos apontam que, 200 anos depois de os primeiros vitorianos terem eletrificado suas plantas sem sucesso, ainda não se sabe exatamente como a eletricidade interage com a biologia das plantas.

"Há décadas sabemos que os campos elétricos melhoram o crescimento das plantas", diz Sena, do Laboratório de Morfogênese Vegetal do Imperial College de Londres.

O problema é que estes dados nunca foram totalmente reproduzidos; experimentos foram feitos sob condições variadas.

Mas, para transformar esta intervenção elétrica em plantas num método tecnologicamente sólido, é útil compreender sua ciência fundamental.

Desvendar o mecanismo molecular da resposta de uma planta a um campo elétrico é o cerne do trabalho que o grupo de Sena realiza no Imperial College.

Entre outras coisas, se concentraram em estudar os sinais elétricos gerados internamente pelas plantas.

Estes organismos enviam inúmeros sinais em cada etapa de crescimento e em cada parte de sua anatomia, que podem ser medidos com instrumentos diversos.

Identificar estes sinais pode ajudar os cientistas a saber quais são as necessidades da planta, seja de água, controle de pragas, alimentação e até de solo, em cada uma de suas fases.

O céu é o limite

Ao contrário de outras necessidades, porém, você não pode simplesmente produzir mais terra.

Durante muito tempo, a melhor resposta para este problema tem sido a promessa da agricultura vertical, que permitiria o crescimento das culturas em qualquer superfície.

Só há um problema, diz Sena. O que chamamos de agricultura vertical é um nome um tanto impróprio. Não estamos cultivando plantas verticalmente; estamos empilhando verticalmente caixas estreitas de crescimento horizontal umas sobre as outras.

Isso ocorre porque as raízes não são verticais. As raízes obedecem à lei da gravidade. Elas buscam água e buscam "para baixo".

É por isso que, aliás, é muito difícil cultivar plantas com muitas raízes no espaço. Sem gravidade, as raízes vagam por todos os lados, dificultando logisticamente alimentá-las adequadamente.

E se a agricultura vertical fizesse literalmente o que diz seu nome? E se fosse possível cultivar frutos e árvores cujas raízes se estendessem longitudinalmente em vez de para baixo?

As raízes crescem para baixo porque o organismo vivo sente a atração do campo gravitacional e a presença de água e coordena seu tecido para seguir essa direção.

No entanto, isso não é tudo que as raízes podem sentir. Eles também podem sentir campos elétricos, uma sensação que pode anular as demais.

Um campo elétrico tem poder de veto sobre a resposta das raízes ao campo gravitacional.

No ano passado, Salvalaio e Sena mostraram pela primeira vez, com detalhes moleculares precisos, como usar doses específicas de eletricidade para fazer com que a planta Arabidopsis reorientasse a direção do crescimento de suas raízes.

Em outras palavras, eles fizeram as raízes crescer como queriam que crescessem.

Daí aqueles cubos de aparência saborosa.

Salvalaio e Sena fizeram parceria com a Dyson School of Design Engineering em Londres para desenvolver cubos especiais de hidrogel impressos em 3D, capazes de abrigar as plantas de Arabidopsis em crescimento, e os eletrodos que guiarão o crescimento de suas raízes para a posição lateral.

As folhas verdes brilhantes deixam claro que os túneis de aeração provaram ser um ambiente estimulante. Suas raízes serpenteiam densamente por toda parte.

Salvalaio pretende começar as aplicações de eletricidade até o fim deste verão (do Hemisfério Norte). Se tudo correr bem, dizer que "o céu é o limite" seria um eufemismo.

“Ser capaz de controlar a direção do crescimento das raízes significaria que poderíamos cultivar árvores tanto no teto, quanto na parede”, diz Sena.

Com este novo avanço elétrico, seria até possível cultivar árvores em ambientes de gravidade zero.

Talvez em breve haja árvores na Estação Espacial Internacional ou florestas na Lua.

Esta reportagem foi resumida e editada para melhor compreensão. Para ler o texto original em inglês, acesse aqui.

 


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