O que líderes precisam saber sobre cultura voltada à inovação. | Portal Obidense
BRASIL - Em minhas interações vejo líderes ainda bastante reticentes quando o assunto é cultura de inovação. Natural, pois a maior parte das empresas está vivendo hoje uma jornada de transformação, que pode ser bastante complexa do ponto de vista de cultura.
Não é novidade que o que em geral motiva os primeiros movimentos de inovação em uma empresa é a necessidade de encontrar novas formas de receita. Segundo dados da ACE Innovation Survey, essa é a prioridade para 39,2% dos profissionais de inovação, seguida de Acelerar a Transformação Digital, com 19,2%, e de Fortalecer a cultura, por último, com 14.4% dos respondentes. Mas isso porque as pessoas não acham que cultura é importante? Ao contrário. 87% dos profissionais acreditam que a cultura é fator fundamental para promover a inovação. O problema é que ela não é priorizada.
Em seu famoso artigo “The Hard Truth About Innovative Cultures”, escrito para a Harvard Business Review, em fevereiro de 2019, o professor Gary Pisano diz que: “Muitos líderes acreditam que ao dividir a organização em unidades menores e autônomas (squads), é possível estimular uma cultura inovadora de startup. Essa abordagem raramente funciona, pois confunde escala com cultura. Simplesmente quebrar uma organização burocrática em unidades menores não cria magicamente o espírito empreendedor. Sem grandes esforços para moldar valores, normas e comportamentos, estas unidades tendem a herdar a cultura da organização que a gerou”.
Muitas literaturas chamam esse fenômeno de anticorpos da inovação: ao inserir times com um jeito novo de pensar ou trabalhar numa empresa com uma história de sucesso consolidada, as pessoas que ajudaram a construir essa história costumam rejeitar o novo, como o nosso corpo faz quando identifica um vírus, por exemplo.
E os sintomas são diversos: C-level dividido, com líderes pró-transformação e outros pró status quo, o que leva a companhia a atuar cada vez mais em silos, com batalhas travadas entre áreas. Nos times em que a liderança não quer abrir mão de suas certezas para investir no novo, é comum que se adote uma postura defensiva em relação a budget e alocação de pessoas também.
O resultado dos lados é uma necessidade constante de acordos políticos, alta interferência de diversos atores no processo de inovação e a sensação de que as coisas não evoluem na velocidade necessária.
E nessa dicotomia, todos perdem: empresa, líderes, colaboradores e consumidor. Em empresas que estão vivendo um cenário de ambidestria, não se trata de escolher entre o antigo e o novo: a cultura que irá alavancar essa corporação para o futuro não é puramente a cultura das startups, tampouco é a que consolidou o core business, mas a que vai nascer desse processo de transformação para viabilizar a atuação da companhia nos diferentes horizontes de inovação.
Essa coexistência é condição de sobrevivência. E constituí-la é um trabalho sustentado em 4 pilares:
Uma estratégia clara que oriente os esforços organizacionais para explorar oportunidades de inovação no negócio core e em novos mercados;
Um modelo de estrutura (design organizacional) e governança que favoreça a responsividade e facilite a conexão da companhia com todo o ecossistema de inovação;
A adoção e execução, com disciplina, de métodos que funcionem não só nos livros, mas no contexto atual da companhia;
E, claro, pessoas. Sem pessoas – líderes e colaboradores – com as capacidades e contexto certos para atuar, a Cultura da Inovação será apenas um power point e uma saudade do que poderia ter sido.
Só aqui, temos assunto para muitas páginas, mas quero fazer um recorte específico para o número 4. É fundamental que entendamos que a prontidão da força de trabalho de uma companhia não passa somente pela formação dessas das pessoas. Veja que ressaltei dois itens quando citei o tema acima: capacidades e contexto.
Profissionais com as capacidades para atuar em um contexto de inovação possuem as competências técnicas e comportamentos que os permitem intraempreender, ou seja, de atuar como empreendedores dentro da organização. Essas competências podem ser desenvolvidas por meio de formações e aprendizagem social. Mas são essencialmente estimuladas pelo contexto.
Esses profissionais no contexto certo brilham e tiram qualquer ideia do papel.
Intraempreendedores são pessoas incorformadas com o status quo, com muita energia de transformação e de concretização de soluções e são essenciais para companhias que desejam inovar. Eles não só fazem as coisas acontecer, como também contaminam positivamente quem está a seu redor, contribuindo para a consolidação da cultura desejada.
Mas pessoas com esse perfil precisam de um ambiente em a liderança estimule autonomia, contribua com visão sistêmica, ofereça segurança psicológica para assumir riscos e reconhecimento pelos resultados de aprendizagem no processo. Se não se sentem desafiados, estimulados e suportados para fazer isso, os intraempreendedores certamente procurarão outro lugar onde estejam. Ou acabarão reforçando negativamente os indicadores de clima em sua empresa. Criar esse contexto não é uma tarefa simples, mas você pode começar refletindo sobre estes 4 pontos:
Estamos estimulando suficientemente o mindset e o aprendizado dos colaboradores para que possam atuar como intraempreendedores na organização?
O comportamento da liderança está incentivando essa atuação intraempreendedora, dando segurança psicológica, desafios suficientes, acolhendo e estimulando a visão diversa no time? Se a resposta for não ou “mais ou menos”, é preciso mapear os comportamentos que estão agindo como barreiras os que são alavancas à inovação, desestimulando o primeiro e fortalecendo o segundo.
O modelo de gestão adotado possui ritos, práticas e coleta indicadores que reforcem os comportamentos desejados dessa liderança? Oferece estímulo e reconhecimento aos comportamentos desejados no time?
Por último, processos. Os processos existem para definir e simplificar (embora muitas vezes não) os fluxos de trabalho. Eles modelam e reforçam o jeito que trabalhamos e devem ser alavancas para a mudança que se deseja; Seus processos são heróis ou vilões nessa história?
Trabalhando de forma consciente e intencional nessas 4 etapas, fomentamos a mudança no nível das capacidades individuais e do contexto certo para que as pessoas sejam atraídas para atuar na sua empresa e, mais que isso, engajadas para continuar com você.
A transformação para uma cultura de inovação é um trabalho intenso, de muitas mãos, cabeças e corações. E ter intraempreendedores do seu lado nessa missão é como contar com abelhas polinizadoras, que vão ajudar a acelerar esse processo do jeito certo e na direção certa.