10/11/2023 às 07h07min - Atualizada em 10/11/2023 às 07h07min

Entenda o que levou à dissolvição do Parlamento

Marcelo Rebelo de Sousa marca pleito para 10 de março de 2024, depois da renúncia de António Costa, acusado de corrupção. Premiê demissionário deve permanecer no cargo. Líderes de partidos criticam o governo socialista

Da Redação
Correio Braziliense

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O presidente Marcelo Rebelo de Sousa (E) e o premiê demissionário António Costa (D), no Palácio de Belém, em Lisboa: busca pela establidade política - Foto: Mario Cruz/AFP

LISBOA -  O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu dissolver o Parlamento e convocar novas eleições para 10 de março de 2024. A medida foi tomada depois do vácuo criado pela demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, acusado de favorecimento a empresas na exploração de lítio e de hidrogênio verde e na construção de um data center no Porto de Sines, em Setúbal. Os indícios de corrupção foram revelados por uma operação realizada na última terça-feira (7/11) pelo Ministério Público. Cinco pessoas foram presas e ministros do governo, indiciados.

"Chamado a decidir sobre o cenário criado pela exoneração do primeiro-ministro, optei pela dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições em 10 de março de 2024", afirmou Rebelo de Souza, em pronunciamento à nação. Segundo ele, não havia porque mudar apenas o chefe de governo, pois o país ficaria sangrando e, mais à frente, ele teria de tomar a mesma decisão, mas num contexto de economia fragilizada e de desconfiança da sociedade. As últimas eleições em Portugal ocorreram, também antecipadamente, em janeiro de 2022.

Até o último instante, o Partido Socialista (PS), a legenda de Costa, que tem maioria no Congresso, tentou manter o controle do Palácio de São Bento, alegando possuir maioria absoluta dos parlamentares eleitos, o que garantiria a estabilidade política. Essa posição, por sinal, foi expressada pelo próprio primeiro-ministro demissionário, que apresentou o nome do economista Mário Centeno, atual presidente do Banco de Portugal, como alternativa para sucedê-lo. "Mas o presidente não acatou. Seria importante ter uma pessoa de credibilidade interna e internacional para enfrentar esse momento complicado, de guerras e de ameaças de recessão em várias economias", afirmou Costa, que chefiou o governo por oito anos.

O presidente alegou que, antes de bater o martelo pela dissolução do Parlamento, ouviu todas as lideranças dos partidos com assentos na Assembleia da República, e a maioria se mostrou favorável à antecipação das eleições. No Conselho de Estado, com o qual ele se reuniu antes do pronunciamento à nação, houve empate entre manter tudo como está, apenas buscando um substituto para Costa, e dissolver a Assembleia, situação, que ocorrera no passado. Prevaleceu, portanto, a posição pessoal de Rebelo de Souza.

Crise poderia ser pior

Durante o discurso, o presidente elencou uma série de motivos para sua decisão. O primeiro, destacou, foi a natureza do voto nas últimas eleições, muito personalizadas no primeiro-ministro, com base na própria liderança dele, que resultou em esmagadora vitória. O segundo, a fraqueza da formação do governo, que, mesmo com maioria no Parlamento, não seria legitimado pelo voto popular se o chefe do governo fosse outro. O terceiro, o risco verificado no passado de a fraqueza do governo redundar num mero adiamento da dissolução para um momento pior, com situação mais crítica e desfecho mais imprevisível.

"Se esse contexto prevalecesse, o governo seria presidencial (e não semi-parlamentarista), ou seja, suportado pelo Presidente da República, enfraquecendo o seu papel num período sensível em que ele deve ser, sobretudo, uma referência interna e externa", assinalou. O quarto motivo foi a indispensável estabilidade econômica e social, que é dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser formalizada a exoneração do atual primeiro-ministro, no início de dezembro — a votação do Orçamento está marcada para 29 de novembro. Para Rebelo de Sousa é vital garantir os recursos a fim de atender os anseios da população por meio do Plano de Recuperação e Resiliência (PPR)

Sem medo do povo

O líder português ressaltou, ainda, que o quinto motivo para a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições foi a maior clareza e um rumo mais vigoroso "para superar um vazio inesperado, que surpreendeu e perturbou tanto os portugueses afeiçoados que se encontravam aos oito anos de liderança (de Costa)". "Devolvemos, assim, a palavra ao povo, sem dramatizações nem temores. É essa a força da democracia, não ter medo do povo", disse.

Para Rebelo de Souza, agora, o momento é de olhar para frente, estudar o passo, escolher os representantes do povo e o governo que resultará das eleições. "Um governo que procure assegurar a estabilidade e o progresso econômico, social e cultural em liberdade, pluralismo e democracia", frisou. "Um governo com visão de futuro, tomando o já feito, acabando o que importa fazer e inovando no que ficou por alcançar", acrescentou.

Ataques generalizados

Tão logo a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições para 10 de março foram anunciadas, líderes partidários se posicionaram. Chefe do PSD, a maior legenda de oposição, Luís Montenegro se posicionou como candidato a primeiro-ministro e atacou o governo socialista. "Era inevitável que a palavra fosse devolvida ao povo português. É urgente restabelecer o prestígio, a credibilidade e a confiança das pessoas nas instituições democráticas. Este é o terceiro pântano político que o Partido Socialista faz o país mergulhar nos últimos 22 anos. É preciso cortar o mal pela raiz, e é preciso virar a página do empobrecimento, que tem sido a imagem de marca dos últimos anos em Portugal", afirmou.

Líder parlamentar do Bloco de Esquerda, o deputado Pedro Filipe Soares assinalou que a única solução para superar a atual crise política era a convocação de novas eleições. "Para resolvermos uma crise política desta envergadura, a única solução era a da saída pela democracia, a convocação de eleições. Em democracia, há sempre soluções, e para o Bloco de Esquerda há solução para a habitação, para os serviços públicos, para os direitos fundamentais de uma vida digna", frisou.

Na avaliação de André Ventura, líder do Chega, partido da ultradireita, o presidente da República errou ao fixar 10 de março como data para as eleições, pois, até a posse do novo Parlamento, o governo continuará amarrado aos instrumentos econômicos, sociais e fiscais dos socialistas. "Esta não é a data que nos pareceria a mais célere para resolver o problema que temos em mãos, não só da crise política, como de um governo próximo, que, esperamos, seja de direita, mas que terá que governar com um Orçamento do PS", destacou.

Diante das críticas dos oposicionistas e mesmo de representantes de legendas aliadas, António Costa afirmou que nenhum partido hoje em Portugal tem integrantes com a capacidade dos representantes do PS para governar o país. "Damos de 10 a zero", enfatizou. Ele assinalou, ainda, que está com a consciência tranquila, pois não cometeu nenhum crime. "Não sei do que estou sendo acusado, não tive acesso aos autos dos processos, tudo o que sei é por meio da imprensa." O primeiro-ministro demissionário acrescentou que a opção por deixar o cargo foi para preservá-lo, pois não há como alguém sob suspeição ocupá-lo. "Estamos em uma democracia, a Justiça tem o dever de investigar e ninguém está acima da lei", concluiu.


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