22/08/2023 às 16h22min - Atualizada em 22/08/2023 às 16h22min

Alteração pelo STF da Lei dos Motoristas trará impactos a todo o setor de cargas no Brasil

Supremo decidiu que tempo de espera para carga e descarga deve ser computado na jornada, declarou inconstitucional dividir o período de descanso e vetou repouso com veículo em movimento, no caso de viagens em dupla; decisão pode afetar mão de obra do segmento

Da Redação
Jovem Pan

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Foto:Jovem Pan

BRASIL - No fim de junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) finalizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.322 (ADI 5322) e declarou inconstitucionais 11 pontos da chamada Lei dos Motoristas (Lei 13.103/2015). A declaração de inconstitucionalidade, que teve a ata de julgamento publicada no dia 12 de julho de 2023, gerou as principais repercussões nos seguintes temas: tempo de espera; fracionamento dos períodos de descanso; e repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas.

Primeiramente, sobre o tempo de espera, de acordo com o art. 235-C da Lei 13.103/2015, a jornada diária de trabalho do motorista profissional é de oito horas, admitindo-se a sua prorrogação por até duas horas extraordinárias ou, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo, por até quatro horas extraordinárias. Ainda prevê que é considerado como trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, descanso e o tempo de espera.

A lei também previa que as horas em que o motorista ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias não são computadas como jornada de trabalho nem como horas extraordinárias, sendo que tais horas relativas ao tempo de espera são indenizadas na proporção de 30% do salário-hora normal.

Com o julgamento da ADI, esse período de espera passa a entrar na contagem da jornada de trabalho e das horas extras. Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, a inversão de tratamento do instituto do tempo de espera representa uma descaracterização da relação de trabalho, além de causar prejuízo direto ao trabalhador, porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal nem como jornada extraordinária. Segundo o ministro, o motorista está à disposição do empregador durante o tempo de espera, e a retribuição devida por força do contrato de trabalho não poderia se dar em forma de “indenização”, por se tratar de tempo efetivo de serviço.

Em relação ao fracionamento dos períodos de descanso, o STF declarou inconstitucional dividir o período de descanso dos motoristas e a coincidência do descanso com a parada obrigatória na condução do veículo. Segundo o relator, o descanso entre jornadas diárias, além do aspecto da recuperação física, reflete diretamente na segurança rodoviária, uma vez que permite ao motorista manter seu nível de concentração e cognição durante a condução do veículo. O acúmulo do descanso semanal remunerado permitia aos motoristas de viagens de longa distância usufruir de descanso semanal prolongado quando retornassem à sua base — aspecto essencial para que pudessem estar junto aos seus familiares. Até então, eles poderiam acumular até três descansos semanais. Com o julgamento da ADI, o intervalo deverá ser de 11 horas seguidas dentro das 24 horas de trabalho. Além disso, a cada seis dias, o motorista deverá usufruir do seu descanso semanal, que pode chegar a 35 horas. 

Sobre o repouso com veículo em movimento, a lei prevê que, nos casos em que o empregador adotar dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento, assegurado o repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado, a cada setenta e duas horas. No entanto, o Supremo também declarou esse ponto inconstitucional. Segundo o relator, “não há como se imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada, além de problemas de trepidação do veículo, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor, etc. São situações que agravariam a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo”.

Na avaliação da Confederação Nacional do Transporte (CNT), com essa decisão, a viagem em dupla com descanso no mesmo veículo deixa de ser atrativa. O tempo em que um motorista está dirigindo e o outro está dormindo na cama da cabine ou descansando é considerado jornada de trabalho. Isto significa que, se o caminhão trafegar por 12 horas, mesmo que cada motorista dirija por apenas 6 horas, serão computadas 12 horas de trabalho para cada profissional. A decisão pode afetar profundamente a oferta de mão de obra no segmento. A imposição de condições de trabalho mais restritivas, como a obrigatoriedade de longas paradas e a impossibilidade de revezamento entre motoristas torna a função menos atrativa para novos candidatos, o que prejudica ainda mais o setor, que já tem dificuldade de encontrar motoristas, tanto que o Sest (Serviço Social do Transporte) e o Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) custeiam a carteira de motorista D e E para profissionais de outras áreas do transporte que querem migrar de atividade.

Após a prolação da decisão, uma nota foi divulgada no Setcesp (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região) a respeito da decisão e seus impactos para a atividade econômica explorada neste sentido: “Considerando a nova dinâmica exigida a partir de agora, as empresas de transportes de carga poderão entrar em colapso devido à falta de motoristas disponíveis para realizar a operação, gerando também a ampliação considerável dos prazos de entrega com repercussão em toda a cadeia produtiva da indústria e do abastecimento do comércio no país. Neste momento, a CNT está aguardando a publicação do acórdão com a decisão final para, então, tomar as medidas adequadas em defesa do setor, mas que também são do interesse da sociedade em geral, que já vem sendo tão pressionada pela alta da inflação e uma retomada econômica que, efetivamente, ainda não aconteceu. De qualquer forma, o Setcesp orienta para que os empresários já antecipem a análise de suas operações, seus custos e adequações necessárias ao novo cenário e se coloca à disposição para auxiliá-los neste desafio”.

Frise-se que, até o momento, não houve pronunciamento quanto aos eventuais efeitos modulatórios da decisão do STF, o que, por certo, traz ainda maior insegurança jurídica em torno do assunto. Portanto, a inconstitucionalidade desses dispositivos traz consequências para as empresas, além da oferta de mão de obra, já que a decisão poderá causar impactos no custo do frete e no transporte coletivo e os gastos adicionais podem ser repassados aos consumidores finais, o que impacta a atividade econômica e a sociedade, como um todo.


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