22/01/2018 às 09h27min - Atualizada em 22/01/2018 às 09h27min

Estudos analisam políticas públicas e dinâmicas territoriais da Flona do Tapajós

Por: Lenne Santos – Comunicação/Ufopa
Foto:Igarapé de Jamaraquá, onde os estudos também ocorreram. Foto: Divulgação.

PARÁ - Manter a floresta em pé pode sim ser lucrativo. Foi esta a conclusão de pesquisadores da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) que durante dois anos desenvolveram pesquisas em três comunidades da Floresta Nacional do Tapajós (Flona), por meio do projeto “Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais: O caso da Flona Tapajós, Belterra – PA”.Coordenados pelo Professor Márcio Benassuly (ICS), os estudos mostraram que é possível ter outro modelo de ocupação da região pelo qual sejam respeitados o modo de vida e a cultura de quem vive na floresta.

A pesquisa resultou em cinco trabalhos de conclusão de curso e mais artigos já publicados e faz parte do grupo Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais na Amazônia (GPDAM), ligado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que objetiva “analisar as ações estatais voltadas para a Amazônia no que se refere à execução de políticas públicas e seus rebatimentos no território e sociedade regional”.

Os estudos foram desenvolvidos por alunos concluintes do curso de Gestão Pública. A técnica do “encauchado”, as dinâmicas territoriais e as políticas públicas desenvolvidas no âmbito de três comunidades da porção norte da Flona estão entre os temas abordados.

“Esse contato nos ajudou a ter uma percepção mais humana com os problemas que existem na nossa sociedade, em nossa região, principalmente na Floresta Nacional”, afirmou Andressa Paes, 21 anos.

A artesã Raimunda Rodrigues, 58 anos, 30 deles vividos na comunidade de São Domingos (Floresta Nacional do Tapajós), desenvolve com a ajuda do marido a técnica do encauchado. “Ainda não retiro o látex da seringueira, apenas faço a coleta e depois o tratamento do leite retirado pelo meu marido, que é nascido e criado aqui na floresta”. Ela conta ainda que chegou a viajar para a cidade de São Francisco do Pará para fazer o curso. Faz peças de artesanato (colares, pulseiras, tapetes, porta-lápis, embalagens, chaveiros, porta-copos) com materiais retirados da floresta. “A folha do açaí, da árvore do cupuaçu, do cacau, do cajueiro, tudo vira matéria-prima”.

D. Raimunda foi uma das artesãs entrevistadas pela aluna Andressa Paes para a pesquisa que resultou no TCC Uma análise da experiência de tecnologia social na Amazônia: o caso do projeto encauchados de vegetais na comunidade de São Domingos, Belterra, Pará. “É o que classificamos tecnologia social, desenvolvida na Flona, que alia o conhecimento tradicional dos povos da floresta. “Este contato me fez ter uma percepção diferenciada, seja na questão da utilização dos recursos naturais, seja como essas populações tradicionais vivem, o ritmo de vida que é bem diferente do nosso, têm o contato com a natureza. Isso amadureceu muito meu pensamento acerca da floresta”.

 

A técnica dos encauchados tem origem na cultura indígena da Amazônia. É uma técnica de impermeabilização de tecido com o uso do látex da árvore do caucho (Castilloa ulei) para a fabricação de produtos artesanais. A palavra “caucho” faz referência ao leite que sai da seringueira, que os antigos diziam que é a madeira que chora.

“Essa técnica da borracha (encauchados) já existia muito antes da chegada dos colonizadores europeus. Então não existia nenhum processo que visasse melhorar a qualidade da borracha. Com os novos encauchados começaram a acrescentar técnicas para melhorar a qualidade da borracha para poder elaborar esses objetos, o artesanato que é feito a partir da matéria-prima da borracha”, afirma Andressa Paes.

Biojoias - “Produção sustentável de biojoias e alternativa de renda: o caso da cooperativa de mulheres da comunidade de Jamaraquá, Belterra (PA)” foi o tema do trabalho de Giuliana Gonçalves, 23 anos. Foram quatro visitas superficiais à Flona e uma imersão de quatro dias acompanhando a rotina, a produção desde a retirada do látex à produção das mantas. “Foram quatro dias que mudaram a minha vida”.

Ela explica como se desenvolveu a pesquisa. “Por se tratar de uma cooperativa formada só por mulheres, verificamos como elas conseguem associar a conservação da natureza a uma produção sustentável e ao mesmo tempo conquistar uma renda positiva sem prejuízos ao meio ambiente”. E as lições foram muitas: “Aquelas mulheres dão um belo exemplo para a família e também para nós. Elas provam que, quanto mais a floresta estiver em pé, é melhor para elas, para a retirada da matéria-prima. O trabalho artesanal atrai cada vez mais turistas que estão em busca desse tipo de experiência”, conclui Giuliana.

Ecoturismo – Foi com a ajuda do ICMBio que, em 2002, foi construída pelos comunitários a primeira pousada na Floresta Nacional do Tapajós, a pousada Nirvana do Tapajós. Depois surgiram outras. Atualmente os comunitários oferecem pacotes de atividades para os turistas, trilhas, visitas noturnas à floresta, entre outras atividades.

A estudante Aline Mota, de 22 anos, desenvolveu pesquisa na qual abordou o tema “Ecoturismo na Floresta Nacional do Tapajós: uma análise da implantação de pousadas na comunidade de Jamaraquá, em Belterra Pará”.

“Antes da implantação das pousadas, os turistas se hospedavam na casa dos comunitários. Isso não era cômodo, nem para o comunitário, nem para turista, mesmo que trouxesse uma experiência diferenciada. Não havia a comodidade necessária para quem está viajando, por isso decidi analisar esse aspecto”.

A problemática do trabalho: as limitações dos proprietários de pousadas na comunidade de Jamaraquá. “Uma das principais limitações é a falta de capacitação. As atividades são realizadas pelos familiares.” A aluna destaca ainda outro problema enfrentado pelos comunitários: “A comunicação com os turistas, muitos são estrangeiros e viajam sozinhos, os comunitários não falam Inglês. E também não têm acesso a escolas de inglês porque eles não têm condições de se deslocar a Santarém para frequentar um curso dessa natureza”. “Outra limitação dos comunitários para expansão do negócio com as pousadas é a administração financeira. Eles não conseguem separar os recursos oriundos do trabalho daqueles gastos no cotidiano”, conclui Aline.

Livro - E a produção científica sobre o tema não para por aí. “Todo esse conjunto de trabalho será sistematizado para a elaboração de um livro, que pretendemos lançar com o título de Floresta Nacional do Tapajós: território, economia, gestão e manejo de recursos naturais na Amazônia”, afirmou Benassuly.

Ainda de acordo com o professor, o livro será divido em três partes, referentes às três comunidades visitadas pelos alunos-pesquisadores: São Domingos, Maguari e Jamaraquá.  “Apesar de estarem localizadas na porção norte da Flona e territorialmente próximas, cada uma dessas comunidades possui uma dinâmica diferenciada. São as que estão localizadas mais próximas da cidade de Santarém”. O livro será composto por nove artigos. No total, a Flona abriga 25 comunidades que ainda aguardam por estudos.

Lição para todas as pesquisadoras: aprender o conceito de sociobiodiversidade, que busca associar a conservação da natureza à sua cultura. “Engloba tanto saberes, produtos, tradições de um determinado território. A conservação da floresta em pé, no caso das seringueiras, vai estar diretamente ligada à forma como os comunitários se relacionam com o seu meio ambiente”, concluem as alunas.

 


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